É final de semana e você decide levar as crianças para um passeio no shopping. Chegando lá, se depara com vitrines que despertam nos pequenos o desejo de comprar tudo o que aparece pela frente. Aí, os mesmos filhos que crescem ouvindo que “mentir é feio”, em contrapartida, ouvem dos pais a velha promessa “na volta a gente compra” para negar a vontade da criança, em vez de falar com sinceridade sobre a situação financeira.
Claro que existem casos particulares, e nem sempre dá para expor toda a realidade econômica da família, pois a idade influencia diretamente na capacidade de compreensão de determinados temas. No entanto, é essencial cultivar a verdade desde a infância para um desenvolvimento saudável das crianças.
A importância da sinceridade nas finanças

Uma frase comum: “na volta a gente compra”. Essa expressão pode soar inofensiva aos pais, mas para os filhos, gera falsas esperanças e normaliza a desonestidade. É uma maneira de contornar situações sem conflitos imediatos, mas traz efeitos a longo prazo. Se os adultos usam esse subterfúgio, as crianças podem entender que mentir é aceitável. “Nesse ciclo, criamos gerações de pessoas que têm dificuldade de olhar e cuidar da própria grana”, explica Elisama Santos.
A honestidade nas conversas sobre dinheiro é crucial. Ela permite que os pequenos cresçam com uma visão realista sobre desejos e possibilidades. A psicanalista aponta que a prática de prometer algo sem intenção de cumprir mina a confiança dos filhos. Eles passam a questionar a realidade ao seu redor, afetando a confiança tanto nos pais quanto em si mesmos.
A honestidade não é apenas sobre evitar mentirinhas, mas sim construir um relacionamento de confiança e respeito. Sobre isso, Elisama Santos comenta que os adultos precisam entender que os pequenos já observam e absorvem os acontecimentos em sua volta e tentam entender o mundo. Então, ao invés de evitar a verdade, a melhor abordagem é explicar de forma adequada à idade, promovendo um ambiente de aprendizado mútuo e crescimento pessoal.
Reflexos que vão além do financeiro
As consequências dessa lacuna de sinceridade não ficam restritas ao universo econômico. Falar a verdade é apenas uma parte da construção de vínculos afetivos saudáveis. Segundo a psicanalista, a relação de confiança entre pais e filhos é fundamental para que as crianças se sintam seguras em seu desenvolvimento. Se a criança se sente insegura sobre o que o adulto fala, ela pode internalizar ansiedade e uma falsa responsabilidade sobre aspectos que não fazem parte do universo infantil.
Quando um adulto diz uma coisa, mas a realidade demonstra outra, a criança para de confiar neles e passa a questionar a segurança do que é contado para ela. Esse rompimento na confiança tem reflexos diretos na autoestima e autoconfiança dos pequenos. “A criança começa a desconfiar dela mesma, pensando que deve ter entendido errado ou criado expectativas erradas”, sublinha Elisama Santos.
Por que não falar francamente?
Abordar questões financeiras com as crianças é um tabu persistente na sociedade, difícil de ser enfrentado até por adultos. Dados do Instituto Locomotiva mostram que 46% das pessoas sentem ansiedade sobre suas situações financeiras, e mais da metade dos brasileiros evita o tema completamente. Se falar abertamente é difícil para os adultos, imagine para os pequenos. Assim, criar um espaço em que o dinheiro não seja tabu exige determinação e paciência.
Sair de um ciclo de promessas vazias é um passo importante. O “na volta a gente compra” pode surgir como uma maneira de evitar que a criança fique chateada ou incomodada em público. No entanto, é essencial ensinar aos pequenos que nem todos os desejos podem ser satisfeitos, e que compreender limites e lidar com frustrações são partes cruciais do desenvolvimento humano.
Como abordar a questão de forma eficaz?
Ao introduzir o tema finanças para as crianças, os especialistas recomendam que o foco deve ser mais sobre como o tema será introduzido do que sobre o próprio assunto. A forma com que falamos abre portas para um entendimento mais profundo e seguro. Segundo Leila Salomão Tardivo, professora e pesquisadora da USP, os pais devem equilibrar o tom e a linguagem a fim de não sobrecarregar as crianças.
Com relação à forma como apresentamos o dinheiro e o consumo, é importante conversar de maneira equilibrada. Nem tudo precisa se transformar em um problema, mas é necessário deixar claro que devemos ser responsáveis. As crianças devem entender que há limites para os desejos e que eles não são responsáveis pela situação financeira da família.